O #NippleGate
O SuperBowl, final do campeonato da liga nacional de futebol americano (NFL), é famoso em todo mundo por vários motivos. Primeiro por ser o intervalo comercial mais caro do mundo, com valores que em 2021 atingiram a média de US$ 5,5 milhões de dólares por 30 segundos de exibição. Também é conhecido por ser uma das maiores audiências da TV, com índices médios de 100 milhões de espectadores por jogo. E o último motivo são os famosos shows do intervalo.
Desde 1993, quando Michael Jackson se apresentou em um palco no centro do gramado entre um quarto e outro, cantando e dançando seus sucessos “Billie Jean“, “Black or White” e “We are the World“, a tradição de trazer os astros da música em alta se manteve. E foi então que, 11 anos depois, sua irmã Janet Jackson protagonizou a maior de todas as polêmicas em um show no intervalo do SuperBowl.
No dia 1.º de fevereiro de 2004, se apresentaram diversos artistas no intervalo daquela que era a 38ª edição do SuperBowl, entre eles Justin Timberlake que, na época com apenas 22 anos, acabara de sair da boyband ‘NSYNC para apostar na carreira solo. A música que estava sendo executada no momento em questão era dele, “Rock Your Body“, sendo então Janet sua convidada na coreografia em questão. Exatamente ao final da execução, Justin puxa parte da roupa da cantora, expondo seu seio direito em rede nacional.
Tudo que sucedeu este momento foi uma verdadeira avalanche que misturou o puritanismo que ainda impera na cultura norte-americana com explicações evasivas que até hoje não foram completamente elucidadas. O mamilo de Janet adornado de uma espécie de piercing apareceu não mais que meio segundo no exato momento em que Justin finalizou a música com o lassivo verso “I’ll have you naked by the end of this song” (“Vou te deixar nua até o fim desta canção” – em tradução livre).
Como o SuperBowl é um evento “família”, ou seja, acompanhado do vovô ao netinho, não seria ali um programa com classificação indicativa “Livre” o local mais adequado para este grau de nudez. Só que a questão foi escalonando de tal maneira que a batata quente foi sendo passada de um para outro. A NFL culpava a CBS (emissora que transmitia o evento) que por sua vez culpou a MTV, responsável pelo show do intervalo. Até que a Federal Communications Commission (FCC), órgão que regulamenta os meios de comunicações nos EUA, determinou uma multa de US$ 550 mil dólares (mais de R$ 3 milhões de reais). Foi então que a corda arrebentou do lado mais fraco.
Janet Jackson já vinha recebendo uma série de comentários machistas, misóginos, sexistas e até racistas pelo ocorrido. Mesmo vindo a público se desculpando pelo ocorrido, sua carreira a partir dali foi sendo sumariamente sabotada e demorariam anos para ser reerguida. Em todas as entrevistas e declarações oficiais sobre o ocorrido, a cantora sempre manteve sua versão de que foi um “mau funcionamento do guarda-roupa” (tradução livre de “wardrobe malfunction“), ou seja, de que ela e Justin ensaiaram para que apenas parte de sua roupa fosse arrancada ao final da coreografia, mas que na hora do show, um pedaço a mais acabou saindo expondo muito mais do que deveria. Para se ter ideia do estrago que o evento, batizado de #NippleGate, causou na carreira de Janet Jackson, suas músicas foram banidas de emissoras de rádio, seus clips deixaram de ser exibidos na MTV e sua participação foi excluída do Grammy, a premiação máxima da música em todo o mundo.
E Justin Timberlake? Afinal quem puxou a roupa da cantora, expondo uma parte íntima de seu corpo para uma audiência de milhões de pessoas, foi ele, mas o tradicionalismo norte-americano o retirou da narrativa, colocando a vítima como culpada. E enquanto Janet era queimada na fogueira como uma Joana D´Arc da cultura pop, a carreira de Justin continuou intacta, o que lhe valeu o apelido de “Homem Teflon”, já que nenhuma das acusações negativas do ocorrido respingaram nele.
Nasce o YouTube.com
Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, os fundadores originais do YouTube, ainda trabalhavam no PayPal quando toda a polêmica do #NippleGate ocorreu. A cena do intervalo do SuperBowl de 2004, que encerrava a coreografia de “Rock with You” e acabou com Justin expondo o seio de Janet, durou cerca de meio segundo. O assunto na época causou um pico nos termos de buscas no Google envolvendo o nome da cantora, mas era praticamente impossível encontrar qualquer vídeo reproduzindo o ocorrido, quando muito eram achados fotos e textos descritivos, com o viés acusatório sobre a figura de Janet. Por conta disso, os três colegas de trabalho incubaram a ideia de criar um site que pudesse reunir estes vídeos em um único lugar. O YouTube surgiu exatamente 1 ano depois do #NippleGate, com a estreia oficial em14 de fevereiro de 2005. Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim já admitiram em diversas entrevistas a influência direta da pesquisa pelo vídeo da Janet Jackson sobre o ocorrido no SuperBowl de 2004 deu origem ao YouTube, além do tsunami que varreu o sudeste asiático em 26 de dezembro de 2004. O YouTube surgiu, mas não só, dado que outro serviço do Google que foi criado sob influência de uma polêmica entre celebridades foi o serviço de busca de imagens. Na cerimônia do Grammy de 2000, a atriz e cantora Jennifer Lopez usou um decotado vestido da grife Versace que quase derrubou o serviço de buscas. No dia seguinte à cerimônia, o interesse dos usuários eram fotos que mostrassem o tal vestido, mas como o Google não oferecia um filtro de buscas específicas por imagens, o site entrou em pane e fez com que fosse criada uma ferramenta que extraísse as imagens ligadas à determinada palavra-chave.
Desculpas 17 anos depois
Em fevereiro deste ano o documentário “Framing Britney Spears” jogou luz sobre as atitudes sexistas de Justin Timberlake ao longo de sua carreira, tanto com a ex-namorada quanto com Janet Jackson no polêmico episódio do #NippleGate. E então, 17 anos após o silêncio do “Homem Teflon”, o cantor e agora produtor finalmente se pronunciou, pedindo desculpas às artistas em uma postagem em sua conta no Instagram. “Sei que falhei nesses momentos e em muitos outros e me beneficiei de um sistema que tolera a misoginia e o racismo” foram algumas das palavras de Justin em seu pedido de desculpas. Janet chegou a responder em suas redes sociais, mas não de maneira direta. Sem citar o cantor, ela postou um vídeo em que agradece seus fãs por, após 35 anos do lançamento do álbum “Control“, o álbum voltar ao topo das paradas entre os mais vendidos. Tão interessante quanto descobrir como o YouTube surgiu no meio de uma polêmica envolvendo artistas, é também notar a evolução no pensamento das pessoas sobre um caso como este. Se fosse hoje, Janet teria sofrido os mesmos julgamentos e preconceitos? E Justin, teria saído incólume ou seria jogado na fogueira? De qualquer maneira a importância do YouTube como plataforma de vídeo é inegável. Segundo uma pesquisa de 2018 divulgada pelo Google, o YouTube é o meio preferido pelo brasileiro para ver vídeos online. E esta tendência só aumenta, pois enquanto nos últimos 4 anos o consumo de vídeos na web aumentou 135%, no mesmo período o crescimento da TV tradicional foi de apenas 13%. Com a TV tradicional perdendo espaço para a pulverização da audiência online, qual será o futuro de megaeventos como o SuperBowl e suas eventuais polêmicas? Assista também nosso vídeo sobre a origem do YouTube: Gostou da história sobre como o YouTube surgiu? Conta pra gente! Fontes: Vice , People, Google