Tudo faz parte do plano

Já começando de onde paramos, com um “plano-sequência” em computação gráfica de cair o queixo — mostrando os universos e linhas do tempo até chegar aos protagonistas -, vemos Loki e Sylvie prestes a confrontar o vilão da série. Após um breve momento de hesitação antes de entrar na Cidadela no Fim do Tempo (quem não pararia por um momento antes de realizar o que sonhou a vida toda?), os deuses da trapaça finalmente a adentram e encontra a Senhorita Minutos — que passa uma impressão bem menos amigável do que sua aparência cartum e suas atitudes anteriores sugerem. Em uma última tentativa de impedir que as variantes cheguem até seu chefe, a personagem animada faz uma oferta difícil de recusar, mas que Loki dispensa, não sem antes deixar escapar algumas lágrimas. Sylvie, mais resoluta, não se abala tanto, e essa diferença de atitude dita o tom que os personagens terão no restante do episódio. Finalmente, então, chegamos ao grande vilão, a mente por trás de tudo — Kang! Que… na verdade, não chega a falar seu nome, mas cita a alcunha de “Conquistador“. A revelação, a propósito, lembra a descoberta do Mandarim em Homem de Ferro 3 — desafiando as expectativas e mostrando uma figura bem mais amigável —, desta vez, porém, o vilão não finge ser outra pessoa, apenas age de uma forma inesperada, considerando o que todos achavam que uma figura ditatorial que controla o tempo seria. Bela dissonância ludo-narrativa. Se você quiser saber mais sobre Kang, o Conquistador, confira nosso post sobre o vilão. Com seu jeito relaxado e até engraçado, Kang revela tudo aos protagonistas, no melhor estilo “vilão do James Bond”. Segundo ele, tudo já estava escrito (ou impresso, literalmente) e as variantes eram esperadas em seu castelo. Apesar de ser uma proposta válida — afinal de contas, toda a existência da nossa variante do Loki antes da AVT também seguia esse princípio —, alguns espectadores podem achar que isso invalida a jornada das personagens, tirando seu poder de escolha, já que tudo está pré-determinado. Pessoalmente, não acho que seja o caso, já que Kang apenas afirma que sabe o que irá ocorrer; além disso, a oferta da Senhorita Minutos indica que o vilão não necessariamente deseja entregar o poder às variantes. Caso aceitassem a oferta, o poder sobre as linhas temporais ficaria nas mãos de quem chegasse depois. De qualquer forma, o fato é que Kang está cansado de controlar tudo e não se importa se alguém tomar o seu lugar, matando-o ou não. Suas motivações, no entanto, são bem interessantes.

Livre-arbítrio e democracia

A questão filosófica mais discutida no episódio 6 de Loki foi o livre-arbítrio. Kang se apresenta como um ditador e não nega que é vilão, mas dá uma desculpa relativamente comum: “estou fazendo isso pelo bem de todos”. Para preservar a “paz” entre as linhas do tempo, Kang eliminou todas as outras, se desfazendo de uma quantidade incontável de inocentes. Não dá para quantificar quantos outros morreriam simplesmente em guerras entre universos, mas mesmo assim, não são as quantidades que importam, não é? Para Kang, os fins justificam os meios, e ele acredita que um único universo compensa a eliminação de infinitos outros. Em nosso mundo, também há discussões acerca de democracia e autoritarismo — há quem diga que o controle proporcionado por um regime autoritário possibilite que mudanças rápidas sejam mais fáceis de se executar, dispensando a demora e burocracia envolvidas na tomada de decisões coletivas. Isso, é claro, poda a liberdade e poder de escolha das pessoas, ou em outras palavras, o livre-arbítrio. Enquanto isso, a democracia dispensa apresentações, todos sabemos que ela proporciona liberdade. Mas a um custo: também temos a liberdade de fazer escolhas “erradas” e entrar em possíveis conflitos, e é isso que Kang explora ao dizer que as guerras do multiverso só ocorreram porque algumas de suas variantes não eram pacíficas. Ravonna também toca no assunto após sua conversa com Mobius, revelando que acredita haver um propósito maior em tudo – se negando a acreditar que vidas podadas e sacrifícios enormes estejam sendo feitos por puro capricho. A frase que ela solta é forte e instiga reflexões: Acreditando que tudo tenha sido feito por um propósito, Ravonna se nega a colaborar com Mobius e, ao se ver acuada — após descobrir que Hunter B-15 está revelando seu passado antes de ser variante, como diretora de uma escola, aos outros funcionários da AVT, para convencê-los da conspiração da instituição —, decide “ir atrás de livre arbítrio”, em suas próprias palavras. Se ela está tentando chegar até Kang ou Sylvie, ou tentando conseguir poder de outra forma, só o futuro dirá.

O multiverso e o futuro da Marvel

De todas as séries da Marvel, essa talvez seja a que mais tem implicações para o futuro de seu universo cinematográfico. WandaVision trouxe elementos importantes com os poderes de Wanda Maximoff, mas o final do episódio 6 de Loki vem com tudo. Após uma briga entre Loki e Sylvie, que discordam acerca da maneira com a qual querem lidar com Kang, temos um momento tocante, onde nosso deus da trapaça abre seu coração e consegue até mesmo um beijo de sua amada. Ela, aparentemente, não compartilha do mesmo sentimento (ou não o considera tão importante), focada demais na vingança para voltar atrás. Distraindo Loki, Sylvie o atira por um portal temporal e se volta para Kang, matando-o com um só golpe. Alguns momentos antes, as coisas ficaram realmente interessantes, quando o vilão disse não saber o que vai acontecer em seguida. Se alguém conseguiu o livre-arbítrio de verdade, foram Loki e Sylvie, e ela decide usá-lo até o máximo. Não sabemos quais são os planos da deusa da trapaça após matar o vilão – se é que ela tem algum além da pura vingança – e então vemos a linha do tempo começar a se ramificar loucamente, pipocando multiversos a torto e direito. O final chocante da nossa variante principal, inclusive, deixa bem claro o que os multiversos representam – parando em uma das muitas AVTs que surgiram, ele fica extremamente confuso (como nós) ao conversar com Mobius e Hunter B-15 e notar que eles não o conhecem, logo em seguida vendo uma grande estátua de Kang no lugar dos Guardiões do Tempo. Isso quer dizer que há um universo onde o Conquistador não se esconde e controla a AVT diretamente. Com o Multiverso estabelecido, podemos esperar que ele seja explorado plenamente no próximo filme de Stephen Strange, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Tom Hiddleston, inclusive, está confirmado como Loki no filme. A esperada chegada do Multiverso também irá repercutir em outras produções a partir de agora: Spider-Man: No Way Home (“Sem Volta Para Casa“, no Brasil), o próximo filme do cabeça de teia, tem inúmeras indicações de que irá trazer outros homens-aranha para o elenco, além de vilões de outros filmes do herói quando vivido por outros atores, tratando as personagens como se fizessem parte de outros universos. Bem no estilo de Homem-Aranha: No Aranhaverso, produção animada de 2018. Além disso, Jonathan Majors, que atua como Kang neste episódio 6 de Loki, está confirmado para o mesmo papel em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, próximo filme dos heróis. Uma surpresa que eu, particularmente, não estava esperando, foi a confirmação de uma segunda temporada nas cenas pós-crédito. Confesso que o final me deixou muito aturdido, já que imaginei que não houvessem outras temporadas a seguir, como as duas séries anteriores da Marvel, e certamente me deixaria desapontado se fosse o caso. Agora, é de se esperar que todas as milhões de dúvidas levantadas pelo final da série Loki, em sua primeira temporada, sejam abordadas na temporada seguinte.

Veredito

Agora que a série do deus da trapaça terminou sua primeira temporada, podemos ter um panorama de sua qualidade e significado para o MCU. Em questão de história, a série foi competente em estabelecer conceitos importantes como as variações temporais, mostradas inicialmente em Vingadores: Ultimato e o importantíssimo Multiverso. Utilizar o carisma e a personalidade de Loki mostrou-se ser uma boa decisão, além de um elenco de apoio fabuloso. O ritmo, no entanto, não pode receber o mesmo elogio, já que alguns episódios se arrastaram mais do que o esperado enquanto outros correram muito, entregando informações demais em pouco tempo. Apesar do desenvolvimento de alguns personagens pedir mais introspecção e desenvolvimento, isso poderia ter sido trabalhado melhor. Outra reclamação comum é o nível de poder dos personagens: o próprio Loki, que entrou em conflito com o Capitão América no primeiro filme dos Vingadores, apanha de capangas quaisquer em sua própria série. A variação de poderes é algo comum nos quadrinhos e em outras mídias, acontecendo de acordo com a necessidade do roteiro, mas no audiovisual isso fica mais gritante. Não é algo que estrague a série, mas traz um certo incômodo mesmo assim. De resto, os efeitos visuais estão incríveis – o orçamento que Marvel e Disney colocam em suas produções é bem aproveitado. A trilha sonora não é extremamente memorável, mas cumpre bem seu papel. O tema da série, “TVA” por Natalie Holt, é algo particularmente bom, evocando uma estranheza semelhante ao tema da série Além da Imaginação e se mesclando com o instrumental digno do épico temporal da Marvel. Eu gostaria de ter visto mais sobre as variantes de Loki, que foram abordadas de forma muito superficial e um pouco corrida, e também do vilão Kang, cujo nome, reitero, não foi citado. Teremos de esperar, no entanto pela próxima temporada para isso.

Veja também:

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