Toda a história veio à tona após o Instituto Dakila Pesquisas, que não tem qualquer vinculação com institutos de pesquisas de universidades ou órgãos oficiais, e nem artigos em publicações científicas, divulgar algumas informações a respeito da cidade perdida na Amazônia. Mas, afinal de contas, Ratanabá existe ou é apenas mais uma fake news? O Showmetech foi em busca dessa e outras respostas.
Como tudo começou
Apesar da história sobre Ratanabá só ter ganhado destaque no últimos dias, algumas notícias relacionadas à cidade já circulam na internet há pelo menos dois anos. Em alguns blogs, o suposto descobrimento da civilização perdida soterrada na Amazônia já era debatido, com direito a fotos de excursões realizadas no Norte do país.
De acordo com a teoria, existe uma rota de túneis subterrâneos que se estenderiam por toda a América do Sul e se ligariam à cidade futurista, supostamente a mais desenvolvida e rica como jamais visto antes. Essa “Capital do Mundo” teria existido há 450 milhões de anos e hoje estaria enterrada no Estado do Mato Grosso, na Amazônia brasileira.
Algumas evidências da possível nova cidade teriam sido encontradas por pesquisadores da Dakila Ecossistema. A entidade, liderada pelo empresário e cientista Urandir Fernandes de Oliveira, é sediada na cidade de Zigurats, região de Corguinho, a cerca de 95 quilômetros de Campo Grande. Dentre os achados, estão artefatos de metal e cerâmica que teriam sido encontrados em galerias subterrâneas do Real Forte Príncipe da Beira, um forte localizado no município de Costa Marques, no estado de Rondônia. Ainda segundo a teoria, este forte seria uma das entradas para esta rota de túneis secretos.
Os túneis que supostamente interligam pontos da América do Sul não estariam apenas ligando partes da região, mas sim do mundo inteiro, onde grandes líderes de diversos países realizariam encontros para discutir o destino da riqueza que a Amazônia estaria, também, escondendo.
Dados arqueológicos controversos
A história que cerca Ratanabá, no entanto, está cheia de furos e controvérsias. Após a história explodir na internet, especialistas se dedicaram a derrubar dados descabidos e fantasiosos. Confira os principais.
Cálculos que não fecham
O Dakila Ecossistema coloca a cidade como “a primeira capital do mundo há 450 milhões de anos”. O grande problema é que a saga dos dinossauros na Terra foi encerrada há 65 milhões de anos, e há 450 milhões de anos a Amazônia nem existia. Para Eduardo Goés Neves, arqueólogo e professor do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (USP), toda essa história não faz o menor sentido. Em entrevista à BBB Brasil, ele diz que “a história por trás de Ratanabá é um verdadeiro delírio. Isso não faz o menor sentido do ponto de vista da história geológica e biológica do nosso planeta. Para ter ideia, nossos ancestrais mais antigos viveram há mais ou menos 6 milhões de anos. Mas a nossa espécie mesmo, o Homo sapiens sapiens, surgiu há 350 mil anos na África“, estima ele, revelando que há um erro de cálculo de, pelo menos, 349.650.000 anos nessa história.
Tamanho das cidades
O segundo ponto que traz informações erradas está relacionado ao suposto tamanho da cidade. Algumas publicações dão conta de que ela seria maior até que a Grande São Paulo. No Entanto, Eduardo também contesta. “Ainda não temos uma estimativa exata de quantas pessoas viviam nessas cidades da Amazônia, mas certamente elas não tinham o tamanho de São Paulo de jeito nenhum”, diz o arqueólogo. “Para ter ideia, no século 16, as cidades mais populosas do mundo provavelmente eram Istambul, na Turquia, e Tenochtitlán, no México. E elas tinham 50 mil, no máximo 200 mil habitantes. A Grande São Paulo tem mais de 20 milhões de habitantes, tornando essa ideia descabida“, calcula o professor da USP. Neves estima ainda que, antes da chegada dos europeus nas Américas, existiam cerca de 10 milhões de indígenas em toda a Amazônia. “E esse número caiu muito a partir do século 17 por conta das guerras e das epidemias”, ensina.
Linhas retas na mata
O terceiro argumento propagado fortemente na internet tem a ver com túneis encontrados na região amazônica ou com imagens aéreas, que mostram linhas retas e quadrados perfeitos, visíveis entre as copas das árvores. Esses túneis, defendem as postagens nas mídias sociais, serviriam de passagem secreta e conectariam diversas partes da América do Sul. Neves esclarece que realmente existem túneis na Amazônia. “As imagens divulgadas provavelmente vêm da região do Forte Príncipe da Beira, em Rondônia, que era um posto colonial português. Essas construções estão relacionadas às disputas de fronteira entre Espanha e Portugal nas proximidades do rio Guaporé ao longo do século 18”, conta. Neves ainda diz achar difícil que haja intervenção humana nestas linhas. “É improvável que aquilo seja de autoria humana. Mas, caso realmente tenha sido feito pelos povos locais, essas construções não devem ter mais do que 2,5 mil anos”, completa.
Passagens que não existem
Outro ponto também questionável é o fato do Real Forte Príncipe da Beira conter uma passagem secreta para a rede subterrânea. Em entrevista ao site Portal Amazônia, o mestre em história e pesquisador Lourismar Barroso, que produziu um estudo a respeito do Forte Príncipe da Beira, afirmou não existir qualquer evidência dessa passagem para a suposta cidade perdida.
Reputação questionável
Como se já não bastasse as informações desencontradas apresentadas acima, o presidente do instituto, Urandir Oliveira, já é conhecido por outras polêmicas e histórias bizarras. Antivacina e terraplanista, entre as teses defendidas por ele está a de que a pandemia é uma arma biológica e que 87% da população mundial tem uma limitação intelectual, e por isso se vacina. Ele também ganhou notoriedade em 2010, quando difundiu o boato da existência do “ET Bilu“, que gerou o meme “busquem conhecimento”. Na época, o assunto virou até uma grande reportagem na Record TV (veja abaixo). Outra teoria do suposto cientista é de que a “Amazônia não queima”. O assunto chegou até o presidente Jair Bolsonaro, que replicou a tese na abertura da Assembleia Anual da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2020. Mesmo sem grandes feitos, Urandir já foi homenageado pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul e recebeu o título de cidadão campo-grandense na Câmara Municipal. Em 2020, ele foi recebido pelo ex-secretário da Cultura de Bolsonaro, Mario Frias, em Brasília. Frias, inclusive, se manifestou em seu Twitter sobre o assunto.
A palavra do ex-secretário
Quem também caiu no conto da cidade perdida de Ratanabá foi o ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro e pré-candidato a deputado federal por São Paulo Mário Frias (PL). Em um tweet, Mario conta que recebeu um documento que continha algumas informações a respeito do estudo sobre Ratanabá, iniciado pelo instituto Dakila em 1992. Na ocasião, ele disse também ter visto fotos de artefatos de metal e cerâmica descobertos por pesquisadores. Essas peças, no entanto, não comprovam a existência de Ratanabá, muito menos do povo Muril. Especialistas indicam que realmente há inúmeros artefatos perdidos na Amazônia, mas que grande parte deles estão ligados à indígenas que viveram naquela região, sem qualquer ligação com povos que viveram há milhões de anos como acredita os teoristas. Nas postagens, Mario indica ainda que, ao longo dos anos, os exploradores contaram com o apoio do Exército, do Iphan, das Forças Aéreas, da Defesa Civil, do Ministério da Defesa, entre outros órgãos. Ele ainda ressalta que não houve aportes financeiros ao instituto e que o Dakila utiliza recursos próprios para todas as suas pesquisas. O ex-secretário ainda divulgou algumas imagens aéreas captadas que mostram 32 quadras com linhas simétricas precisas no meio da floresta, ajudando a propagar a fake news que já foi desmentida por historiadores e arqueólogos.
É boato ou verdade?
Para Neves, a história de Ratanabá não passa de uma lenda. “Quando começaram a me perguntar sobre isso, até fui pesquisar e consultar outros colegas que estudam a arqueologia amazônica, mas ninguém conhecia essa história”, relata ele, que acredita ainda que o fenômeno pode ser explicado por uma série de fatores. “Me parece uma mistura da ingenuidade das pessoas, que querem acreditar nesse tipo de coisa, com interesses econômicos de exploração da Amazônia”, especula o especialista, que lembra de outras lendas parecidas, como a cidade de Eldorado, alvo de exploradores ao longo dos séculos por supostamente ser feita de ouro. Neves ainda relembra que a Amazônia tem muita história a contar e é plausível que novas descobertas aconteçam sempre. No entanto, elas precisam ter fundamentos científicos. “Sabemos que a Amazônia foi densamente ocupada no passado e que os povos que viveram lá deixaram marcas muito visíveis do modo de vida que tinham, com valas em formato geométrico e estradas lineares. Não se trata, portanto, de uma civilização perdida, que desapareceu há milhões de anos”, assegura o pesquisador.
Descobertas aliadas à tecnologia
Em maio deste ano, pesquisadores e arqueólogos investigaram dois montes usando lasers e descobriram cidades de uma civilização pré-hispânica perdida na Amazônia. O feito aconteceu perto da aldeia de Casarabe, na Bolívia, e foi publicado na revista Nature. Graças à tecnologia LiDar, foi possível mapear e identificar construções feitas pelo povo Casarabe, que habitou a Bolívia entre os anos 500 d.C a 1400 d.C (depois de Cristo) na região de Llanos de Mojos, no sudoeste amazônico. A equipe averiguou o terreno com um scanner acoplado em um helicóptero, transmitindo cerca de 1,5 milhão de pulsos de laser por segundo. Para aprimorar a análise, a vegetação foi removida com um modelo digital em uma imagem 3D. Ao todo, foram mapeados 200 km² de uma área que acredita-se ter pertencido à cultura Casarabe, sendo detectados dois grandes locais de assentamentos e 24 locais menores. Dentre os maiores, destacam-se o Cotoca (147 ha) e o Landívar (315 ha). No passado, estudos anteriores indicaram que a cultura Casarabe, que recebe o nome de uma vila vizinha, existiu entre 500 e 1400 d.C., ocupando uma região de cerca de 16 mil km². O novo levantamento revelou uma área central em terraços, uma parede de vala envolvendo o local e canais. Essa foi a primeira vez que a tecnologia LiDAR foi utilizada na região amazônica. Graças à descoberta, especialistas acreditam que o recurso irá ajudar em futuras novas explorações. Veja também: Já imaginou um Round 6 da vida real? Pois bem, a série irá ganhar uma competição da Netflix. Confira como será. Fontes: Correio, Portal Amazônia, Revista Galileu, BBC Brasil.